quinta-feira, junho 23, 2005

Porque o poeta adormeceu...

Porque o poeta adormeceu...



Porque o poeta adormeceu...
Em sonhos de sons...
Em ilusões de imagens...
Na imensidão da sua beleza...
Que ficará para sempre...
A beleza não morre! Até sempre, Eugénio...

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Mar, Mar e Mar - Eugénio de Andrade

Tu perguntas, e eu não sei,
eu também não sei o que é o mar.

É talvez uma lágrima caída dos meus olhos
ao reler uma carta, quando é de noite.
Os teus dentes, talvez os teus dentes,
miúdos, brancos dentes, sejam o mar,
um mar pequeno e frágil,
afável, diáfano,
no entanto sem música.

É evidente que minha mãe me chama
quando uma onda e outra onda e outra
desfaz o seu corpo contra o meu corpo.
Então o mar é carícia,
luz molhada onde desperta
meu coração recente.

Às vezes o mar é uma figura branca
cintilando entre os rochedos.
Não sei se fita a água
ou se procura
um beijo entre conchas transparentes.

Não, o mar não é nardo nem açucena.
É um adolescente morto
de lábios abertos aos lábios da espuma.
É sangue,
sangue onde outra luz se esconde
para amar outra luz sobre as areias.

Um pedaço de lua insiste,
insiste e sobe lenta arrastando a noite.
Os cabelos de minha mãe desprendem-se,
espalham-se na água,
alisados por uma brisa
que nasce exactamente no meu coração.
O mar volta a ser pequeno e meu,
anémona perfeita, abrindo nos meus dedos.

Eu também não sei o que é o mar.
Aguardo a madrugada, impaciente,
os pés descalços na areia.

quarta-feira, junho 22, 2005

Lembrando Eugénio...

O poeta adormeceu...

No passado dia 13, o sono profundo tomou conta de Eugénio de Andrade, um amante da palavra, incansável explorador da perfeição que tentava conseguir nos seus versos... o que diversas vezes aconteceu.


"Não houve Mozart no funeral de Eugénio. Nem Chopin. Nem Schumann. Nem silêncio. Nem a brevidade nascida da urgência de tapar a nudez dos sentimentos. Todas as palavras são desnecessárias quando sobra a dor para escurecer os antes luminosos dias.
(...)
Entre os poetas, foi dos maiores da língua portuguesa. Nunca concorreu a prémios e, no entanto, foi muito premiado. Não desdenhava distinções, mas jamais usou qualquer das insígnias ou condecorações recebidas. Mesmo se há quem o considere «o» poeta, essa será uma discussão irrelevante e desnecessária, em particular quando se constata não haver outro tão traduzido em tantas línguas, desde o servo-croata ao chinês, do japonês ao basco.
(...)
Deixava-se prender por detalhes. Seduziam-no os instantes fugazes susceptíveis de, na sua simplicidade, esconderem mundos inimagináveis. Por isso dizia que a pureza de que tanto se fala, a propósito da sua poesia, era «simplesmente paixão pelas coisas da terra, na sua forma mais ardente e ainda não consumada». Paixão pelo que pode haver de sublime no mais silencioso dos gestos.
(...)
Não há palavras interditas para quem ama. Não há gestos proibidos para quem sofre."


in Única - Expresso 18/06/2005 - Excertos do texto de Valdemar Cruz

domingo, junho 19, 2005

Mar...


Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.

(Mar – Sophia de Mello Breyner Andresen)